PMs são condenados por cobrarem R$ 20 mil para não prender homem que consertava respiradores

Em 2020, no Pirambu, um comerciante foi extorquido por três policiais e falsamente acusado de vender mercadoria ilícita durante a pandemia de Covid-19

Escrito por Matheus Facundo , matheus.facundo@svm.com.br
entrada do presídio militar em fortaleza
Legenda: Policias chegaram a ser levados ao Presídio Militar após serem capturados pelo crime
Foto: Natinho Rodrigues/SVM

Três policiais militares (PMs) foram condenados na Justiça por cobrarem R$ 20 mil, e conseguirem R$ 14 mil, para não prender um comerciante que consertava respiradores durante a pandemia de Covid-19 no Ceará em 2020. Os réus foram sentenciados a oito anos de prisão cada, em regime inicial semiaberto, e ainda perderam seus cargos e terão de pagar R$ 26 mil de indenização por danos morais e materiais, segundo julgamento ocorrido no último dia 9 de maio. 

À época do crime, os agentes então lotados no 20ª Batalhão da Polícia Militar do Ceará (PMCE) informaram que receberam uma denúncia de que o comerciante estava usando equipamentos de forma ilícita e foram até a casa do homem (identidade preservada) para realizaram a extorsão. Inicialmente conseguiram R$ 2 mil, mas, conforme o processo, eles depois pegaram mais R$ 12 mil, após a vítima conseguir por meio de saques e empréstimos de familiares. 

Após ser extorquido, a vítima procurou as autoridades, segundo consta na denúncia do Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), oferecida ao Poder Judiciário em outubro de 2021. Os PMs condenados são Sidney do Nascimento Lopes, Italo Thiago de Lemos Santos, Daniel Medeiros de Siqueira, e já haviam sido demitidos da PMCE durante o andamento do processo. Eles chegaram a ser presos no dia 15 de maio de 2020, um dia após os fatos criminosos. 

De acordo com a defesa de Sidney, a decisão é "totalmente contrária" às provas nos autos. O advogado Germano Palácio alega que o militar "sequer teve contato com a vítima" e diz que entrará com recurso nos tribunais. 

"O acusado Sidney sempre foi zeloso com a atividade policial militar, tendo em seu histórico relevantes prisões e excelentes serviços prestados a sociedade", diz defesa. 

O Diário do Nordeste procurou os advogados dos outros PMs, mas não localizou a de Ítalo Thiago e ainda aguarda resposta do de Daniel Medeiros.

Nos memoriais finais, que precedem o julgamento, as defesas de todos os militares se posicionaram pedindo absolvição, pois não havia provas suficientes para condená-los. Uma tese chegou a ponderar que os agentes abordaram o comerciante, mas verificaram que estava tudo em ordem e foram embora. 

O MPCE informou, após investigações, que os policias agiram de má-fé e tentaram se camuflar, pois não usavam identificação funcional. O soldado Sidney teria usado uma balaclava para cobrir o rosto, uma tática permitida apenas para membros do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) da PMCE, e usada pelo policial para não ser reconhecido, pois era morador da região do Pirambu. 

À época, a Polícia Militar se posicionou informando que "não compactua com qualquer ação policial que viole a lei. Atos que vão de encontro à conduta policial são repudiados e devidamente apurados por esta Corporação, ocasião em que é preservada a garantia do contraditório e ampla defesa".

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Extorsão na casa de comerciante 

A extorsão ocorreu na casa da vítima no dia 14 de maio de 2020. Eles teriam o pretexto de averiguar uma denúncia anônima sobre um comerciante que mantinha equipamentos de origem duvidosa em sua casa. Eles não chegaram a registrar a ocorrência de campo, conforme o MPCE. 

O homem se sentiu coagido e entregou R$ 2 mil, pois temeu por sua vida, segundo a investigação. Segundo documento obtido pela reportagem, os agentes de segurança permaneceram na casa da vítima por mais de 47 minutos, o que foi verificado, pois há câmeras de segurança na residência. 

O segundo momento, da entrega dos R$ 12 mil, ocorreu na Travessa Coração de Jesus, atrás de um posto de combustível. Ele ainda teria ficado de arranjar mais R$ 6 mil, mas decidiu denunciar às autoridades após a entrega da segunda quantia, pois se sentiu lesado e procurou ajuda de seu cunhado, que é policial. 

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