Você compra inveja e preguiça

Foto: Marketing/ SVM

Ah, os pecados capitais! Aquelas falhas humanas que, ao longo da história, serviram como um espelho sombrio de nossos desejos e fraquezas. No mundo do consumo desenfreado, dois deles se destacam como os principais aceleradores de nossas compras impulsivas e decisões financeiras questionáveis: a preguiça e a inveja. Dentro da fogueira de vaidades humanas, vamos passear nesse reino de tentações e como ele afeta a nossa carteira e mente.

Olhe para as coisas que você compra com mais frequência na vida, pode ser até o pacote de arroz. Você decidiu por uma determinada marca por algum motivo. Se você compra a mesma marca sempre, sem analisar as qualidades que as inúmeras opções dispostas do mercantil mostram, muito provavelmente você teve preguiça de avaliar. A verdade é que precisamos entender como esses pecados capitais desempenham um papel insidioso em nosso consumo.

A preguiça nos tenta com a promessa de gratificação instantânea, uma maneira de satisfazer nossos desejos sem esforço. Basta um clique para ter comida entregue à porta, e assim o mercado de delivery de alimentos no Brasil cresce a cada dia.

A comodidade é a senha para abrir as portas de nossas carteiras preguiçosas, e a ciência e a psicologia explicam como isso acontece.

Psicólogos renomados, como Daniel Kahneman, nos mostram que nossa mente tende a buscar atalhos para economizar energia mental. Essa economia de esforço nos leva a escolher opções mais fáceis, como pedir comida em vez de cozinhar, mesmo que isso implique em gastos extras. A preguiça alimenta um ciclo vicioso de consumo impulsivo, pois quanto menos esforço é necessário, mais propensos somos a ceder às tentações do consumismo.

A inveja, por sua vez, é uma força motriz oculta em nosso desejo de ostentação e status social. O consumo se tornou a maneira de mostrar ao mundo quem somos, ou quem queremos ser. É como se nossas compras dissessem: "Olhem para mim, sou bem-sucedido e poderoso!" No entanto, essa busca desenfreada por status, muitas vezes, nos leva a um território perigoso. Aaahhh, mas eu não sou assim. Jura? Nunca copiou a sobremesa do coleguinha no almoço ou postou algo na internet só para poder mostrar que tem alguma posse e ser notado? 

Costumo dizer que existe uma bolha social que chamo de “bolha de Chandon”. Entrar nela tem um preço que sai do bolso e entra no cérebro em forma de dopamina. Essa dopamina é fake, não sustenta, pois quando você volta para casa no seu Celta 1.0 modelo 1998, aquela bolsa cara que você ostentou não consegue manter a imagem dentro do seu ser. O caminho natural dessa autoenganação é a melancolia.

Nossa mente está sequestrada pela arte do mercado consumista

Abaixo apresento pontos onde cada um dos 2 pecados protagonistas atuam.

Inveja 

1. Ativação do Cérebro de Recompensa: Estudos de ressonância magnética funcional (fMRI) demonstraram que o cérebro ativa áreas de recompensa quando experimentamos inveja, pois associamos a obtenção do que outra pessoa tem com gratificação.

2. Aumento da Atividade no Córtex Pré-Frontal: O córtex pré-frontal está envolvido na tomada de decisões e na avaliação social. A inveja pode levar a um aumento da atividade nessa região, à medida que avaliamos o que os outros têm e como isso se compara ao que possuímos.

3. Estresse e Ansiedade: A inveja pode causar estresse crônico e ansiedade, pois constantemente nos comparamos aos outros, o que aumenta a produção de cortisol, o hormônio do estresse.

4. Redução da Empatia: A inveja pode prejudicar nossa empatia, pois nos concentramos em nossos próprios desejos e sentimentos de inferioridade, em vez de nos conectarmos com os outros.

5. Decisões Financeiras Impulsivas: A inveja pode levar a decisões financeiras impulsivas, como gastar dinheiro em produtos caros para alcançar o status que invejamos nos outros, afetando negativamente nossas finanças.

Preguiça

1. Ativação do sistema de recompensa: A preguiça pode ser relacionada à ativação reduzida do sistema de recompensa do cérebro, o que leva a uma busca constante por gratificação imediata, como escolher opções fáceis em vez de investir tempo e esforço em tarefas desafiadoras.

2. Diminuição da motivação: A preguiça está frequentemente ligada a uma diminuição da motivação, resultando em procrastinação e dificuldade em iniciar tarefas, uma vez que nosso cérebro prefere evitar o esforço.

3. Desregulação do sistema dopaminérgico: O sistema dopaminérgico está relacionado à motivação e recompensa. A preguiça pode levar à desregulação desse sistema, tornando mais difícil encontrar satisfação em tarefas que exigem esforço.

4. Fadiga mental e decisões superficiais: A preguiça pode resultar em fadiga mental, levando a decisões superficiais e impulsivas, já que nosso cérebro tenta economizar energia.

5. Redução da qualidade de vida: A preguiça prolongada pode prejudicar a qualidade de vida, já que evitamos atividades físicas e intelectuais desafiadoras, o que pode ter impactos negativos na saúde física e mental.

As empresas sabem que somos preguiçosos e invejosos…Ou elas que nos fizeram ser assim?

“Eu sou muito sabido, não caio no papo das marcas”. Você acha que consegue se livrar fácil assim? Observamos como as empresas capitalizam esses impulsos humanos. Grandes nomes do mundo da administração e do marketing, como Philip Kotler, sabem como aproveitar a preguiça e a inveja a seu favor.

Empresas utilizam estratégias inteligentes, como programas de fidelidade que recompensam a preguiça do cliente, tornando o consumo fácil e sem complicações. Quem já teve um cashback e não ficou tentado em usar aquele dinheirinho como “oportunidade” de economizar na compra de algo que nem sabe que precisa? E, quando se trata de inveja, campanhas publicitárias mostram produtos como símbolos de status, alimentando o desejo de pertencer a uma elite financeira. Teve até lançamento de Celta Cross para você que é aventureiro, é sério. 

Exemplos de sucesso no mercado brasileiro não faltam. Marcas que oferecem praticidade e aquelas que capitalizam o desejo humano de ostentação têm prosperado, impulsionando suas receitas para o topo. Afinal, quem pode resistir a uma promoção que promete "status instantâneo"?

A preguiça e a inveja são os pecados capitais que impulsionam nosso consumo e afetam nossa saúde financeira e mental. Para combater essas tentações, é fundamental reconhecer nossos impulsos, entender como somos influenciados e, finalmente, fazer escolhas mais conscientes. Se conhecer é o primeiro ato. Você se conhece? 

O consumidor inteligente é aquele que não cai nas armadilhas dos pecados capitais, mas domina sua própria jornada de consumo.



Assuntos Relacionados