Muletas sociais: do cigarro de Mad Men ao celular de Jobs

Empresas de assessoria de comunicação e agências de publicidade desenvolvem estratégias para reduzir a percepção negativa de marcas

Legenda: O celular, com suas redes sociais e acesso constante à informação, tornou-se uma muleta para momentos de desconforto social, solidão e ansiedade
Foto: Marketing/SVM

Antes de começar, é bom explicar: o que é uma muleta social?
 
Uma muleta social é algo em que nos apoiamos para nos sentirmos mais seguros em situações sociais. Imagine estar em uma festa na qual você não conhece ninguém. De repente, pegar o celular e fingir estar ocupado pode se tornar sua muleta social, um escudo contra a desconfortável sensação de isolamento.
 
O renomado psicólogo Carl Jung poderia dizer que as muletas sociais são manifestações externas de nossas personas, as máscaras que usamos para nos apresentarmos ao mundo de forma aceitável. Elas nos ajudam a lidar com a ansiedade e o medo do julgamento, atuando como intermediárias entre nosso eu interno e o mundo externo.
 
Erik Erikson, outro gigante da psicologia, talvez enfatizasse a importância do estágio de desenvolvimento em que estamos. Durante a adolescência, por exemplo, a busca pela identidade é primordial. Nesse contexto, as muletas sociais podem ser vistas como ferramentas experimentais, ajudando os jovens a navegar pelas complexas redes de relações sociais enquanto buscam seu lugar no mundo.
  
Agora, podemos começar a falar das muletas mais amadas do último século: iPhone & Marlboro, os frutos de um mesmo amor. Não, pera…
 
Em "Mad Men", a série que retrata o auge da indústria publicitária na década de 60, o cigarro é mais do que um simples produto; é um símbolo de status, um ritual e, acima de tudo, uma muleta social. Naquela época, a propaganda de cigarros era onipresente e extremamente persuasiva, criando uma imagem de sofisticação, rebeldia e charme associada ao ato de fumar. As agências de publicidade, com sua astúcia e criatividade, conseguiram tornar o cigarro um ícone cultural, apesar dos crescentes alertas sobre seus perigos para a saúde.
 
Paralelamente, empresas de assessoria de imprensa conduziam uma batalha silenciosa, mas intensa, para controlar a narrativa em torno dos efeitos nocivos do tabagismo. Com estratégias de comunicação e gestão de reputação meticulosamente planejadas, essas empresas trabalharam incansavelmente para minimizar as notícias sobre doenças e câncer ligados ao cigarro, mantendo a imagem positiva do produto nos olhos do público. Nesse contexto, o cigarro servia não apenas como um símbolo de status, mas, também, como uma muleta para lidar com o estresse, momentos de solidão ou como um companheiro para o "descanso mental".

Avançando no tempo, observamos uma nova muleta social emergindo com força semelhante: o celular. Assim como o cigarro em seu auge, o celular se tornou uma extensão de nossas identidades, uma ferramenta indispensável para a comunicação e um escudo contra o mundo real. A dependência das telas tornou-se uma preocupação crescente, refletindo os mesmos padrões de negação que marcaram as primeiras décadas do tabagismo. O celular, com suas redes sociais e acesso constante à informação, tornou-se uma muleta para momentos de desconforto social, solidão e ansiedade, enquanto simultaneamente alimenta um ciclo vicioso de comparação e insatisfação.
 
A sociedade está agora em um ponto de inflexão, semelhante ao enfrentado pelos fumantes décadas atrás, à medida que os efeitos do uso excessivo do celular na saúde mental começam a ser mais amplamente reconhecidos e discutidos. O desafio é reconhecer e abordar os malefícios dessa dependência antes que se tornem tão enraizados quanto os do cigarro.
 
Diante desse cenário, é provável que as empresas de assessoria de imprensa e as agências de publicidade se encontrem novamente na linha de frente, desta vez trabalhando para moldar a reputação do uso das telas. Assim como fizeram com o cigarro, essas empresas podem buscar equilibrar a narrativa, enfatizando os aspectos positivos da tecnologia e minimizando os negativos, enquanto a sociedade luta para encontrar um equilíbrio saudável no uso do celular.
 
A história do cigarro nos ensina a importância de uma abordagem crítica e consciente em relação às muletas sociais e aos produtos que consumimos. À medida que navegamos pela era digital, é crucial aprender com o passado para evitar repetir os mesmos erros, buscando um futuro no qual a tecnologia sirva à humanidade, e não o contrário.

Estratégias de Assessoria de Comunicação


Mas isso aqui é uma coluna de estratégia de mercado além de comportamento. Vamos passear pelas estratégias de Assessoria de Comunicação: Lições do Passado para o Presente Digital
 
No mundo da assessoria de comunicação, várias estratégias se destacaram ao longo dos anos, tanto na gestão de crises quanto na construção e manutenção da reputação de marcas e mercados. Essas estratégias, embora originadas em contextos diferentes, oferecem lições valiosas que podem ser aplicadas à era digital e ao desafio de gerenciar a reputação em torno do uso das telas.
 
1. Transparência e responsabilidade: uma das lições mais importantes da gestão de crises é a necessidade de transparência e responsabilidade. Marcas que enfrentam crises, seja devido a falhas de produto ou comportamento antiético, muitas vezes recorrem a uma comunicação aberta e honesta como a chave para a recuperação da confiança do público. Por exemplo, a Johnson & Johnson, na crise do Tylenol nos anos 80, priorizou a segurança do consumidor ao recolher rapidamente o produto do mercado, um movimento que restaurou a confiança pública e salvou a marca.
 
2. Engajamento proativo com o público: a assessoria de comunicação eficaz não espera uma crise acontecer para agir. Ela engaja proativamente com o público, construindo uma reserva de boa vontade que pode ser crucial em tempos de crise. A Coca-Cola, por exemplo, tem investido constantemente em campanhas que destacam valores positivos e inclusão, o que ajuda a fortalecer sua imagem de marca, mesmo quando enfrenta desafios. Veja que não é uma questão de se safar do problema, mas de ter na marca uma força que cria um escudo perante crises.
 
3. Adaptação e inovação: em um mundo em constante mudança, as marcas precisam se adaptar e inovar não apenas em seus produtos, mas também em suas estratégias de comunicação. A Nike, reconhecendo a importância das questões sociais para seus consumidores, tem se posicionado com sucesso em temas relevantes, o que reforça sua imagem como uma marca progressista e consciente. Para uma marca com histórico de acusações de trabalho análogo à escravidão na Ásia, as campanhas em defesa de temas fortes momentâneos ajudam a filtrar a percepção negativa com o passar dos anos.
 
4. Gestão de narrativa: controlar a narrativa é vital em qualquer estratégia de gestão de crises ou de reputação. Isso envolve moldar a história em torno de uma crise de maneira que minimize o dano à marca. Um exemplo notável é a forma como a Apple abordou as preocupações sobre a segurança dos dados do usuário, enfatizando seu compromisso com a privacidade e a segurança, o que ajudou a manter a lealdade do cliente. Não deixe que outro fale por você, assuma a frente dos passos de sua defesa de comunicação.
 
5. Responsividade e flexibilidade: a capacidade de responder rapidamente e de se adaptar a novas informações é crucial. Marcas que demoram a responder ou que se mostram inflexíveis em suas estratégias de comunicação tendem a sofrer mais em tempos de crise.
 
À medida que enfrentamos os desafios associados ao uso excessivo das telas, essas estratégias de assessoria de comunicação oferecem uma bússola. A transparência sobre os riscos, o engajamento proativo em promover um uso saudável da tecnologia, a inovação em desenvolver ferramentas que minimizem os impactos negativos, a gestão cuidadosa da narrativa em torno do uso das telas e uma resposta rápida e flexível a novas pesquisas e tendências são fundamentais. Assim como as estratégias do passado ajudaram as marcas a navegar por crises e a manter sua reputação, esses princípios podem guiar as empresas de tecnologia e as marcas digitais de hoje em direção a um futuro mais responsável e saudável.