Ladrões de chocolates: a fraude na Americanas e como empresas conseguem se reerguer em crises

Foto: Marketing/ SVM

Na antiga TV Colosso, existia um personagem chamado Roberval, o ladrão de chocolate. Na brincadeira do antigo programa infantil da TV, o personagem que roubava chocolates enganava as vítimas dizendo que estava atrás de um ladrão. Ele acusava a própria vítima de ser esse ladrão. No final, Roberval ganhava o chocolate e deixava o pobre cidadão no prejuízo.

Um prejuízo que foi um “chocolate futebolístico” em cima dos auditores

O brasileiro se acostumou a comprar chocolates nas Lojas Americanas. Infelizmente, alguns clientes subtraíam as guloseimas da loja, que não vende apenas isso, obviamente. Os ladrões de chocolate trabalhavam num modelo de cultura nacional que passeava entre o crime de roubo e o mesmo crime maquiado de uma espécie de direito nacional de tirar vantagem sobre aquele que tem mais, como se isso fosse legal. Não é, nunca foi, nunca será.

Quando avaliamos a questão dos indícios de fraude nos balancetes das Americanas, enxergamos um provável rombo que chega a incríveis 21 bilhões de reais. Como uma empresa auditada por empresas de credibilidade mundial com alta regulação do mercado financeiro, os maiores investidores nacionais no rol de acionistas e com executivos altamente gabaritados nos principais assentos pode chegar nesse patamar de forma tão incólume?

O ponto mais importante nessa questão está na cultura nacional perante empresas privadas. A visão de que o público é ruim e o privado que é bom criou uma sensação de que o caso da Americanas era improvável por ter muitos olhares profissionais na gestão. Enganados sempre estivemos. É um fato.

Empresas grandes quebram e erram. Até a Apple já quebrou e já errou. Essa situação de uma cultura tão cega ao privado ajudou de alguma forma o mercado a aceitar, durante anos, um modelo de gestão altamente equivocado. Como isso ocorreu sem gerar nenhum burburinho?

Então, nem toda americana é linda para chuchu

Alípio Martins conheceu a americana correta, aquela que lhe dava “tutu”. Não foi o caso da querida loja que vende de tudo, mas que a turma entrava dizendo que ia comprar só um chocolate. O cenário é de muitas empresas influenciando fortemente o mercado e nossas vidas, mas não recebendo o cuidado e olhares que protejam o cidadão com a veemência correta.

Ao longo da história, o mundo corporativo testemunhou diversos casos de fraudes que abalaram a confiança dos consumidores e investidores. A fraude nas Lojas Americanas foi um duro golpe para a empresa, bem como para os consumidores que confiavam em suas práticas comerciais. Embora a empresa tenha desfrutado de uma posição privilegiada no mercado varejista brasileiro, o escândalo abalou profundamente sua imagem e integridade. Contabilistas inescrupulosos manipularam os registros financeiros da empresa, apresentando informações falsas e superestimando os lucros. O resultado: um engano sistemático que ludibriou investidores e consumidores.

Infelizmente, as Americanas não estão sozinhas nessa história de fraudes corporativas no Brasil. Outras empresas brasileiras também enfrentaram situações semelhantes, como o caso da Petrobrás, uma das maiores empresas do país, que se envolveu em um escândalo de corrupção de proporções gigantescas. Além disso, a Odebrecht, uma gigante do setor de construção, também ficou marcada por escândalos de corrupção que minaram sua reputação e solidez financeira.

Um chocolate amargo para o crédito ao cidadão

A fraude nas Lojas Americanas teve um impacto significativo no setor bancário e na concessão de crédito no Brasil. Com a revelação da manipulação dos números e das informações financeiras da empresa, os bancos ficaram receosos de emprestar dinheiro para outras empresas. A confiança no sistema financeiro foi abalada, e os bancos passaram a adotar uma postura mais cautelosa na concessão de empréstimos, especialmente considerando a alta taxa de juros no Brasil.

A taxa de juros elevada no Brasil já era um obstáculo para as empresas que buscavam obter crédito. Após o escândalo das Lojas Americanas, essa situação se agravou, pois os bancos se tornaram ainda mais reticentes em emprestar dinheiro, temendo possíveis fraudes e perdas financeiras. Essa restrição de crédito prejudicou não apenas as empresas que dependiam do financiamento para crescer, mas também a economia como um todo, uma vez que o acesso ao crédito é essencial para impulsionar investimentos e estimular o crescimento econômico. 

No entanto, nem todas as empresas enfrentam uma crise tão profunda após um escândalo.

A crise das marcas forma uma caixa de bombons bem diversificada

Algumas conseguem se recuperar e superar obstáculos graças à força de sua reputação e marca. Um exemplo notável é a empresa de alimentos brasileira JBS, que enfrentou um grande escândalo de corrupção envolvendo políticos e pagamentos ilegais. Apesar disso, a JBS conseguiu se reerguer devido à força da marca e ao trabalho árduo para reconquistar a confiança dos consumidores. A empresa implementou medidas rigorosas de controle interno e transparência, fortalecendo a governança corporativa e reconstruindo a reputação. Você pode até não acreditar muito, mas o fato é que a empresa de carnes recuperou seus patamares de receitas. O churrasco não tem mais o Tony Ramos como convidado, mas tem a carne da JBS no fogo.

Outro exemplo histórico de crise foi com a Sadia. Em 2005, a empresa enfrentou uma crise devido à descoberta da presença de dioxina em seus produtos. A dioxina é uma substância tóxica e altamente prejudicial à saúde humana. A Sadia enfrentou um declínio significativo nas vendas e uma queda na reputação. No entanto, a empresa adotou uma abordagem proativa para lidar com a crise. Investiu em melhorias na segurança alimentar, realizou campanhas publicitárias para comunicar as medidas tomadas e se comprometeu em recuperar a confiança dos consumidores. Com o tempo, a marca Sadia conseguiu se reerguer e reconquistar sua posição de destaque no mercado.

Em âmbito mundial, temos o exemplo da empresa norte-americana Johnson & Johnson. Em 1982, a marca enfrentou uma das crises mais desafiadoras de sua história quando sete pessoas morreram após consumirem cápsulas de Tylenol envenenadas com cianeto. A empresa prontamente retirou todos os produtos das prateleiras e lançou um recall em massa. O CEO da Johnson & Johnson na época, James Burke, tomou medidas corajosas e transparentes, comunicando-se abertamente com o público e com a mídia. Além disso, a empresa desenvolveu embalagens à prova de adulteração, estabelecendo um novo padrão de segurança na indústria farmacêutica. Essas ações demonstraram o compromisso da Johnson & Johnson com a segurança dos consumidores e ajudaram a restaurar a confiança do público na marca.

Como recuperar 6 bilhões de barras de chocolate em forma de fraude que tiraram o docinho da boca do consumidor?

Empresas que possuem uma marca forte e uma reputação positiva têm uma vantagem significativa na recuperação após uma crise. A confiança dos consumidores é um fator fundamental nesse processo. Empresas que agem de forma transparente, assumem a responsabilidade pelos problemas ocorridos, tomam medidas corretivas efetivas e comunicam essas ações de maneira clara e consistente têm mais chances de reconstruir sua imagem. Além disso, investir em melhorias e inovações para evitar a repetição dos problemas é essencial para garantir a sustentabilidade a longo prazo.

Até o momento, o caso das Lojas Americanas passa longe da transparência por parte da empresa. Não assistimos ainda a nenhuma grande atitude perante o mercado consumidor que devolva algum tipo de verdade clara para a situação. A empresa age como se não tivesse participação direta na questão da crise de crédito, que já era ruim e se ampliou. A empresa não tomou nenhuma atitude que entregasse para a sociedade algum tipo de garantia de que tem como se recuperar, dando algum tipo de alívio ao consumidor digital que teme não receber algum dia. A empresa parece focar na ideia de livrar a imagem dos acionistas e não da marca propriamente.

Esse chocolate até aqui está azedo. E não parece que, em um curto prazo, o egoísmo dos gestores fraudulentos terá um olhar para a situação da empresa que é um símbolo do nosso varejo. Uma hipotética falência da Americanas colocará de joelhos o varejo nacional que já sofre diante das gigantes chinesas. A recuperação é alarmantemente plausível, basta que a verdade apareça, os desafios sejam catalogados e a gestão de crise entre nas lojas. 

No entanto, é importante ressaltar que a recuperação da reputação não é um processo imediato. Leva tempo, esforço e consistência para reconquistar a confiança do público. Empresas que conseguem atravessar crises com sucesso, reerguendo suas imagens, geralmente emergem mais fortes e aprendem lições valiosas ao longo do caminho.

Espero de verdade que possa continuar a comprar meus chocolates baratos antes de entrar no cinema. Até lá, aguardo dos acionistas atitudes mais comunitárias e menos ligadas aos próprios umbigos de quem lucrou às custas de uma grande mentira contábil.

Ladrões de chocolates em unidades de 5,00 nas lojas já foram até presos. Ladrões de 5 bilhões de unidades de chocolates no valor de 5,00 reais, que geraram uma fraude de 25 bilhões continuam soltos.