Fusão Gol e Azul: quais os impactos para os voos no Ceará?

Legenda: Azul e Gol operam em Fortaleza, Jeri e Juazeiro do Norte
Foto: Glauber Costa (@golf_mike_charlie) / Arquivo pessoal

Há algumas semanas, o mercado de aviação civil do Brasil tem noticiado a possível fusão entre Gol e Azul. No Ceará, qual seria o efeito desse movimento?

As duas empresas possuem participações bastante semelhantes, dentro de suas rotas que são complementares.

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Em Fortaleza e Juazeiro do Norte, que são os principais mercados estaduais, não há grande vantagem de uma sobre a outra: na Capital, a Gol tem aproximadamente 25% do mercado, já a Azul tem aproximadamente 20%; em Juazeiro do Norte, a Azul tem mais de 40% do mercado, a Gol possui 34%.

Apenas em Jericoacoara, a Gol tem praticamente o dobro de participação: 36% contra 20%.

Em Fortaleza, dada a grande prevalência do hub Azul de Recife e já que, como visto, nenhuma das empresas tem grande precedência de mercado sobre a outra, poderíamos ficar muito dependentes novamente de conexões na capital pernambucana. A Gol hoje, de Fortaleza, só mantém voos para seus grandes hubs (Guarulhos, Brasília e Rio de Janeiro-Galeão) e, até as ligações com o hub Salvador, é de pequena quantidade, média de uma por dia.

Assim, se a Azul ganhasse terreno em troca de menos operações da Gol em Fortaleza, poderíamos estar condicionados a realizar mais e mais conexões em Recife. Assim foi em 2020 e 2021, quando uma parceria entre Azul e Latam, reduziu a quantidade de voos da segunda na capital, e praticamente todos os voos para o Sudeste eram com a Azul, realizando conexões em Pernambuco.

Definitivamente, não seria um bom cenário de curto-médio prazo. Inclusive hoje Fortaleza já é bastante dependente de Recife do lado Azul, dado que há épocas em que, por exemplo, só há um voo diário entre Fortaleza e Campinas, por exemplo. Não convém que a quinta maior cidade do País precise realizar tantas conexões para acessar longos destinos nacionais.

Lembro também desse episódio pandêmico que a Azul também tentou comprar a Latam. O negócio não vingou, porque a oferta da Azul foi considerada insuficiente pela Latam.

Caso tivesse acontecido, teria sido certamente mau negócio para Fortaleza, que possui uma estrutura relevante da Latam.

Dito isso, o negócio Gol-Azul pode ser ou indiferente, ou ruim para Fortaleza. Sobretudo no internacional, a Azul pode ver, por exemplo, os ascendentes voos da Gol de Fortaleza para os EUA como real concorrência e diligenciar pelo fim destes. 

Frotas distintas, mercados complementares

Gol e Azul possuem frotas distintas. A Gol possui o maior grau de uniformização de frotas do Brasil, operando aeronaves Boeing 737-700, 737-800 e 737 Max 8. O que é sua fortaleza em termos de padronização de manutenção, não se aplica para a capacidade de atingir menores mercados, dado que sua menor aeronave possui 144 assentos.

No lado oposto, a Azul possui a frota mais diversa do Brasil e vai desde aeronaves monomotoras a grandes widebodies (aeronaves de fuselagem larga) da Airbus. Por isso, consegue sim uma “grande” dispersão geográfica em termos de bases operacionais no país. A Azul possui, aproximadamente, o dobro de bases (150) que tem a Gol. A Azul praticamente não possui aeronaves Boeing, a menos de alguns 737-300 cargueiros, que deverão ser substituídas em breve por Airbus 321 cargueiros.

Em termos de frota, portanto, as duas empresas operam em ramos distintos: 

  • Gol: Frota Boeing, uniformizada. Por isso, não consegue acessar sistematicamente mercados regionais e sub-regionais no Brasil. Não voa para destinos internacionais de longo curso.
  • Azul: Frota Airbus, Embraer, ATR, Cessna, não-uniformizada, por isso, acessa mercados regionais e sub-regionais. Voa para destinos internacionais de longo curso. 

Quanto à malha nacional, entretanto, há forte complementaridade e oportunidade de ganhos.

Os grandes hubs da Gol são Guarulhos, Congonhas, Brasília, Rio de Janeiro e em segundo plano, Salvador. Já a Azul é muito grande em Campinas, Confins-Belo Horizonte, Recife e, em segundo plano, cidades foco como Cuiabá e Belém. 

A Gol possui seu centro de gravidade muito concentrado no Sudeste e Brasília, já a Azul busca ter dispersão relevante nacional, ainda que tenha seus dois maiores centros no Sudeste.

Dessa forma, sabemos que essa complementaridade é um item que as companhias buscam avaliar em eventuais parcerias. Ademais, Azul e Gol (que perderam market-share (29,5% e 29% respectivamente) para a Latam, sobretudo após a recuperação judicial da última, teriam praticamente 60% do mercado nacional de passageiros, deixando a líder Latam, com aproximados 40%.

Essa hegemonia em relação ao mercado nacional certamente interessaria muito à Gol e Azul, porque teriam o acesso mais facilitado aos clientes, sem mencionar que deixariam de competir entre si. Vale lembrar que a Latam, embora tenha a liderança do mercado, é a que opera em menos bases do Brasil, por volta de 50, logo tem menor “chegada” em novos mercados.

Combinadas, portanto, Azul e Gol poderiam ter sinergia em termos das centenas de bases já voadas. Por exemplo, a Azul poderia deixar a Gol “sozinha” em bases médias e ampliar sua ramificação nacional em bases menores. Ou então, a Gol poderia deixar a Azul restar em bases onde prevaleça e incrementar voos para reduzir a participação da Latam.

Em estados como São Paulo e Minas Gerais, aeroportos do interior são amplamente dominados por Embraers e ATRs da Azul. Mesmo assim, a Gol também opera em cidades como Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Uberlândia, Uberaba. A Gol poderia retirar seus aviões dessas cidades, remanejar para grandes capitais, deixando a Azul com a frota ideal para essas regiões.

No Nordeste, por exemplo, a Gol tem baixa participação em cidade como Campina Grande, terreno dominado pela Azul. A sinergia aconteceria se a Gol deixasse Campina, inclusive onde suas aeronaves não operam direto para São Paulo, por limitação de comprimento de pista, para atacar cidades maiores, como João Pessoa.

Para o cliente, porém, o resultado dificilmente não será preços maiores nisso tudo. Pode falar da expansão de bases, mas com menos empresas, o resultado são preços maiores. Isso está certamente subjacente no desejo da Azul.

Qual seria um efeito pensado para o restante do Nordeste?

Para o Nordeste, dado que as duas empresas possuem hubs (ainda que não se compare o hub de Salvador (Gol) ao de Recife (Azul)), a união poderia provocar o aparecimento de mais voos intranordeste. Se não das duas capitais, talvez, de pelo menos uma, o que seria positivo para a regão.

Fusão Azul-Gol

Há algumas semanas, a mídia nacional fala sobre o interesse da Azul Linhas Aéreas em adquirir a Gol Linhas Aéreas, respectivamente, segunda e terceira colocadas em relação ao movimento de passageiros no Brasil.

A Azul estaria aproveitando o status atual da Gol em recuperação judicial e buscando negociar a laranja juntamente com o grupo controlador Abra Group, surgido da coligação da brasileira Gol com a colombiana Avianca. A Azul estaria provocando o Abra Group a trocar parte de suas ações da Gol, em troca de receber uma participação na empresa resultado da fusão de Gol e Azul.

Segundo a Bloomberg, o intercâmbio de ações não carregaria financeiramente a Azul, que também busca a estruturação de uma pesada dívida.

União estará sob crivo de autoridades

Entretanto, não há certeza que a fusão vingará. A união entre Azul e Latam não ocorreu. Ademais, pela grande concentração de mercado, a fusão pode ser barrada pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a não ser que o movimento fosse defendido, por exemplo, para salvar uma das duas companhias mencionadas.

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*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

 



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