Paquitas do Brasil, uni-vos!

Legenda: Depois da exibição do Altas Horas, recebi uma enorme quantidade de mensagens de muitos outros “paquitas”, de muitas outras “paquitas”, que passaram pela mesma situação ou de forma semelhante a minha
Foto: Bob Paulino/ TV Globo

Toda cor tem em si uma luz, uma certa magia. Toda cor tem em si emoções em forma de poesia, mas eu demorei muitos anos da minha vida para entender e aceitar as minhas cores e ver como é bonito ser um arco-íris. Talvez porque desde muito cedo eu fui ensinado que ser “colorido” era errado, vergonhoso, indigno. Ainda bem que eu cresci.

Agora adulto, tenho realizado muitos dos sonhos do pequeno Silvero de Mombaça. Um deles se concretizou na semana passada, quando fui convidado pelo Serginho Groisman para participar de uma edição especial do programa Altas Horas, com uma homenagem a ninguém mais, ninguém menos que Xuxa Meneghel.

Veja também

Xuxa foi fundamental na minha infância e um símbolo de esperança para a criança deslocada dessa sociedade que eu era. Foi também uma válvula de escape de uma mente artística que recebia, por meio da televisão, um mundo mágico, cheio de possibilidades para quem acreditava “no cara lá de cima”.

No dia da gravação, tudo era encantador. Pairava no ar uma sensação gostosa de alegria, nostalgia e uma emoção que tomava conta de todas as pessoas nos bastidores só pela presença da Rainha dos Baixinhos. A plateia foi composta por maravilhosas paquitas, amigos, funcionários, vários ex-baixinhos - e agora “crescidinhos” - como Gloria Groover, Fabiana Karla, Erika Januza, Thiago Abravanel, Tati Machado, Kleber Toledo, Vanessa Camargo, Lexa e muitos outros.

Ao lado da fabulosa Jenniffer Nascimento, cantei a música “Arco-íris” - um dos clássicos de Xuxa, que marcou gerações com o filme “Super Xuxa contra o Baixo Astral”. Quanta responsabilidade! No entanto, foi quando Serginho me perguntou “qual a minha história” com a loira, que o bicho pegou, o coração apertou, o nó chegou na garganta e o choro correu solto.

De frente para Xuxa, contei sobre como eu era seu fã desde criança, como sofri com o bullying que meus “amigos” da época fizeram quando me viram cantando e dançando suas músicas com uma toalha na cabeça e como fui durante muito tempo chamado de “paquita” com escárnio em qualquer lugar que eu chegasse.

Meu encontro com as Paquitas nos bastidores das gravações
Legenda: Meu encontro com as Paquitas nos bastidores das gravações

Sim, quando eu colocava uma toalha na cabeça e fingia ter cabelos longos e loiros, eu brincava mesmo de ser paquita e adorava, mas sempre fazia escondido justamente porque, mesmo muito pequeno, eu já sabia o que aconteceria se descobrissem. Dito e feito! Quando passaram a me usar como piada foi um terror. Ser chamado de paquita era como um atestado social daquilo que eu mais temia revelar: minha identidade, minha intimidade, meus desejos, meus sonhos e, principalmente, meus medos.

Anos se passaram e, graças ao programa, acho que finalmente consegui superar esse trauma da forma mais linda e glamourosa possível, em rede nacional, rodeado das verdadeiras paquitas e sendo acolhido e coroado pela própria Rainha dos Baixinhos. O que eu não imaginava era o que aconteceria depois.

No último sábado (11), após o Altas Horas ir ao ar, recebi uma enorme quantidade de mensagens de muitos outros “paquitas”, de muitas outras “paquitas”, que passaram pela mesma situação ou de forma semelhante. Todos se identificaram com a minha história e se sentiram representados. Foram mensagens de muito carinho, de muito afeto e compartilhamento de vivências de suas “crianças viadas”.

O que esses e essas “paquitas” talvez nem tenham noção é que essa avalanche de mensagens fez com que eu percebesse que eu nunca estive sozinho. Desde sábado, tenho me sentido ainda mais fortalecido não só pelo momento mágico que vivi no palco do Altas Horas, mas principalmente porque, mais uma vez, me fizeram perceber o poder da arte como um lugar de identificação e de salvação.

Essa geração de Paquitas que somos, certamente, hoje, vive uma vida mais livre e talvez com menos medos e isso me deixa ainda mais orgulhoso de saber que embora ainda exista uma sociedade cruel, que não aprendeu tudo sobre amor e respeito, nós estamos vivos e vivas, nos encontrando na resistência e na luta por um lugar mais bonito e mais justo.

Peço, então, que esqueçamos definitivamente o momento em que nos ensinaram que não podíamos ser paquitas. Deixemos para trás os dias cinzas e esse mundo feio e dividido. Pintemos ainda mais arco-íris por aí, por nós e pelas novas gerações. Lembremos sempre de que não estamos sozinhos. Afinal, o que vale nessa vida é ser feliz, basta querer, poder e acreditar.


Paquitas do Brasil, uni-vos!
Somos muitos, centenas, milhares.

*Este texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor